domingo, 18 de abril de 2010

Histórias narradas pela Morte I


-Breve História do Lutador Judeu-

Max Vandenburg nasceu em 1916.
Cresceu em Stuttgart.
Quando era garoto, passou a gostar, mais do que tudo, de uma boa troca de socos.
Teve sua primeira briga quando era um menino de onze anos, e magro como um cabo de vassoura.
Wenzel Gruber.
Foi com esse que ele brigou.
Tinha a boca suja, o tal garoto Gruber, e o cabelo encaracolado feito arame.
O parquinho local exigiu que eles brigassem, e nenhum dos dois estava disposto a discutir.
Lutaram feito campeões.
Por um minuto.
Justo quando ia ficando interessante, ambos foram afastados pelo colarinho.
Um pai vigilante.
Um filete de sangue pingava da boca de Max.
Ele o provou, e o gosto era bom.
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Não muita gente vinda do seu bairro era de briga, mas quando era, não o fazia com os punhos. Naqueles tempos, diziam que os judeus preferiam simplesmente fica parados e aguentar as coisas. Suportar calados as ofensas e, em seguida, trabalhar até voltar ao topo. Obviamente, nem todo judeu é igual.

Ele tinha quase dois anos quando seu pai morrei, despedaçado pelos tiros numa colina relvada.
Quando chegou aos nove, sua mãe estava completamente falida. Ela vendeu o estúdio musical que também lhes servia de apartamento, e os dois se mudaram para a casa do tio. Lá ele cresceu com seis primos, que o surravam, chateavam e amavam. As brigas com o mais velho, Isaac, foram o campo de treinamento para suas lutas de socos. Max levava uma esfrega quase todas as noites.

Aos treze anos, a tragédia voltou a se abater, com a morte de seu tio.
Como sugeririam as percentagens, o tio não era esquentado com Max. Era o tipo de pessoa que trabalhava em silêncio, por uma recompensa muito pequena. Vivia no seu canto e sacrificava tudo pela família - e morreu de uma coisa que lhe cresceu na barriga. Uma coisa parecida com uma bola de boliche envenenada.
Como muitas vezes acontece, a família postou-se ao redor da cama e assistiu á sua capitulação.
De alguma forma, entre a tristeza e o luto, Max Vandenburg, já então um adolescente de mãos duras, olhos escuros e dor de dente, também ficou meio decepcionado. Até desgostoso. Ao ver o tio afundar lentamente na cama, decidiu que nunca se permitiria morrer daquele jeito.
O rosto do homem era resignado demais.
Muito amarelo e tranquilo, apesar da arquitetura violenta de seu crânio - do queixo interminável, que se estendia por milhas, das maçãs do rosto protuberantes e dos olhos encovados. Tão sereno, que deu no menino a vontade de perguntar uma coisa.
Cadê a briga?, matutou.
Cadê a vontade de persistir?
É claro que, aos treze anos, ele era meio exagerado em seu rigor. Não tinha ficado cara a cara com uma coisa como eu . Ainda não.
Junto com os outros, ficou em volta da cama e viu o homem morrer - uma fusão sem riscos entre a vida e a morte. A luz na janela era cinza e laranja, da cor da pele do verão, e seu tio pareceu aliviado quando sua respiração desapareceu por completo.
-Quando a morte me pegar - jurou o menino -, vai sentir meu punho na cara.

Pessoalmente, gosto disso. Desse heroísmo idiota.
É.
Gosto muito disso.